em 27 de dezembro de 2022

O direito do resgate histórico das tradições judaicas

em 27 de dezembro de 2022

O direito do resgate histórico das tradições judaicas

Um pouco mais de 16 mil quilômetros separam as origens de Andrew de sua vida cotidiana na Austrália. Nascido na principal ilha da Oceania, atualmente quer comprovar sua tradição familiar e o pertencimento à comunidade judaica. Ele descende do judeu sefardita Isaac de Abraham Dias, que nasceu por volta de 1680, em Bragança, Portugal, e migrou para Londres para fugir da contínua perseguição aos judeus após a sua expulsão da Península Ibérica, no século XV. Do território inglês parte da família seguiu para a Austrália, onde vivem há seis gerações.

Comovido por seus familiares terem vivido pelo menos dois séculos sob intenso anti-semitismo, Andrew quer restaurar a identidade de sua linhagem familiar como reconhecimento aos ancestrais, assim como milhares de descendentes sefarditas pelo mundo. A antropóloga portuguesa e mestre em Antropologia, Teresa Santos, diz que a luta pela manutenção de suas tradições marca a história do povo judeu ao longo dos séculos.

Ela comenta que, no dia 26 de dezembro, os judeus celebram o último dia do Hanukkah, que remonta ao século II a.C, quando, após a expulsão dos sírios e a restituição do Templo, a comunidade judaica acendeu uma vela cujo óleo que daria para uma noite perdurou por oito dias consecutivos. Andrew diz que muitas vezes se perguntou sobre como Isaac veio de Bragança para Londres e como deve ter sido interessante para ele poder reivindicar seu nome judaico e adorar livremente. “Acredito que foi um período de muita resiliência. Não observamos as tradições judaicas em minha casa, mas tenho alguns amigos próximos que observam e nos convidam para alguns feriados. Hanukkah tem tradições maravilhosas – a luz triunfa sobre a escuridão”, comenta ele.

Para Teresa, os judeus buscam manter vivas suas origens e com o Hanukkah relembram o direito de praticar livremente sua religião, que significa a vitória contra as ordens do reinado Sírio, que obrigava à adoração dos deuses gregos no Segundo Templo e proibia a prática do judaísmo. Segundo a antropóloga, o mesmo acontece quando iniciam a pesquisa para a formação da árvore genealógica e a certificação junto às comunidades judaicas, em Portugal.

De acordo com ela, o caso de Andrew ilustra bem a trajetória dos judeus, que, atualmente, estão espalhados por todos os continentes. Em seus oito anos de atuação em genealogia, Teresa afirma que já auxiliou milhares de descendentes sefarditas de nacionalidades diversas, que buscaram o resgate de suas origens pela pesquisa genealógica, certificação junto à Comunidade Israelita e o direito à nacionalidade portuguesa.

Na visão do CEO da Martins Castro e mestre em Direito, Renato Martins, a lei da nacionalidade portuguesa para sefarditas faz uma conexão entre passado e presente, restaurando os direitos ancestrais do povo judeu. “A legislação também vem garantir aos descendentes a ampliação de sua mobilidade global, a partir do reconhecimento de uma nacionalidade de um estado europeu e, por consequência, livre trânsito em todo o bloco”.

Para Teresa, o impacto da expulsão dos judeus da Península Ibérica e das guerras provocou esse êxodo judaico pelo mundo afora. “A ressignificação desta pertença pela lei da nacionalidade portuguesa, por exemplo, é sim uma reparação histórica por parte do povo de Portugal. Devemos isso aos judeus,” afirma a antropóloga, ao complementar que a genealogia tem mérito neste processo ao desvendar com base científico-metodológica todo o conjunto de informações que vinculam um descendente a outro.