em 11 de fevereiro de 2022

Ação de oposição à aquisição da nacionalidade

em 11 de fevereiro de 2022

Ação de oposição à aquisição da nacionalidade

SUMÁRIO: 1- Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 15 de outubro de 2020; 2 Aquisição da nacionalidade por declaração da vontade; 3 Aquisição da nacionalidade pelo casamento; 4 Ligação efetiva à comunidade nacional e alterações ao artigo 9º da Lei da Nacionalidade; 5 Ação de oposição à aquisição da nacionalidade e produção de prova quanto à inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional.

Palavras-chaves: aquisição da nacionalidade por declaração de vontade – oposição à aquisição da nacionalidade

1. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 15 de outubro de 2020:

O acórdão aborda três temas: a nulidade da sentença, a aplicação da lei no tempo e a prova de inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional, tendo sido formuladas as seguintes conclusões:

I – Tendo sido requerida, na pendência do processo, a extinção da instância por inutilidade superveniente, o Tribunal tinha o dever de se pronunciar sobre tal pedido. Não o tendo feito, a sentença é nula, nos termos do art.º 615º, n.º 1, al. d) do CPC.
II – Na ação de oposição à aquisição da nacionalidade com fundamento na alínea a) do art.º 9º da Lei n.º 37/81, de 5 de julho, não constitui fundamento de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, a entrada em vigor, na pendência do processo, da Lei Orgânica n.º 2/2018, de 5 de julho que introduziu um n.º 2 a esse art.º 9º, nos termos do qual “a oposição à aquisição de nacionalidade com fundamento na alínea a) do número anterior não se aplica às situações de aquisição de nacionalidade em caso de casamento ou união de facto quando existam filhos comuns do casal com nacionalidade portuguesa” (n.º2).
III – Do facto do cidadão de nacionalidade indiana (casado há mais de 20 anos com cidadã portuguesa tendo, o casal, dois filhos de nacionalidade portuguesa), ter nascido na India e viver nos Emirados Árabes Unidos não resulta que não tenha uma ligação efetiva à comunidade portuguesa.
IV – O disposto no n.º 2 do art.º 9º da Lei n.º 37/81, de 5 de julho não é aplicável aos processos intentados antes de 6 de julho de 2018 (data da entrada em vigor da Lei Orgânica n.º 2/2018, de 5 de julho).

2. Aquisição da nacionalidade por declaração da vontade:

A Constituição da República Portuguesa determina no seu artigo 4º que “ São cidadãos portugueses todos aqueles que como tal sejam considerados pela lei ou por convenção internacional. Assim, a cidadania é “a qualidade de membros da comunidade política. Através dela define-se o povo em que essa comunidade se transforma ao erigir-se em Estado.” Esta conceção refere-se a um conceito mais restrito, reportando-se, na verdade, à nacionalidade. A determinação de quem é nacional é da competência de cada Estado, que no entanto terá que ter em conta o ordenamento jurídico interno, mas também as convenções internacionais.

A matéria da nacionalidade portuguesa encontra-se regulada na Lei nº 37/81, de 03 de Outubro, na qual se prevê a obtenção da nacionalidade de forma originária e adquirida. Relativamente à aquisição da nacionalidade, poderemos três forma de aquisição derivada da nacionalidade, a saber, a aquisição da nacionalidade por declaração da vontade, por adoção e por naturalização.

A aquisição da nacionalidade por declaração da vontade é aqui objeto deste breve estudo por se tratar de uma forma de aquisição da nacionalidade sujeita ao instituto da oposição à aquisição da nacionalidade, como previsto no artigo 9º da LN. Inserem-se nas vias de aquisição da nacionalidade por declaração da vontade, que se encontram sujeitas a oposição, a aquisição por filhos menores ou incapazes (artigo 2º da LN), a aquisição em caso de casamento ou união de facto (artigo 3º da LN) e a aquisição após aquisição de capacidade (artigo 4º da LN).

3. Aquisição da nacionalidade pelo casamento:

Os requisitos com vista à aquisição da nacionalidade portuguesa em caso de casamento são o de o interessado ser casado há mais de três anos, com nacional português, devendo a declaração ser prestada na constância do casamento. No entanto, a lei não se basta com os requisitos enunciados, sendo ainda necessário que não se verifiquem circunstâncias que possam constituir fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade, nos termos do artigo 9º da LN. Este instituto visa a compatibilização entre os princípios da unidade de nacionalidade na família e o princípio da nacionalidade efetiva.

4. Ligação efetiva à comunidade nacional:

Determina o artigo 9º da LN que “1 – Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa por efeito da vontade:
a) A inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional;
b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, com pena de prisão igual ou superior a 3 anos, por crime punível segundo a lei portuguesa;
c) O exercício de funções públicas sem caráter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro;
d) A existência de perigo ou ameaça para a segurança ou a defesa nacional, pelo seu envolvimento em atividades relacionadas com a prática do terrorismo, nos termos da respetiva lei.
2 – A oposição à aquisição de nacionalidade com fundamento na alínea a) do número anterior não se aplica às situações de aquisição de nacionalidade em caso de casamento ou união de facto quando existam filhos comuns do casal com nacionalidade portuguesa.
3 – A oposição à aquisição de nacionalidade com fundamento na alínea a) do n.º 1 também não se aplica às situações de aquisição de nacionalidade quando o casamento ou a união de facto decorra há pelo menos seis anos.”
4 – À prova da inexistência de condenação referida na alínea b) do n.º 1 é aplicável o disposto no n.º 11 do artigo 6.º”
A alínea a), do artigo 9º da LN traduz-se numa das concretizações do princípio da nacionalidade efetiva, ou seja, na harmonização do vínculo jurídico da nacionalidade com a conexão genuína do indivíduo ao Estado. Este princípio sofreu alterações significativas, com a LO 2/2020, de 10/11, num sistema em que ius sanguinis e ius soli se igualam, sem prevalência de um deles, tanto na atribuição como na aquisição.
Por outro lado, o artigo 9º, nº 2 e 3 da LN, prevêm casos em que não se aplica a oposição à aquisição da nacionalidade em caso de pedido de aquisição da nacionalidade formulado nos termos do artigo 3º da LN, resultando das alterações introduzidas pelas Leis Orgânicas nº 2/2018, de 5 de julho e nº 2/2020, de 10 de novembro. Ora, a lei nova produz efeitos para o futuro, salvo se lhe for dada eficácia retroativa, o que não ocorreu no caso das alterações mencionadas. Com efeito, a constituição do vínculo da nacionalidade por declaração da vontade tem por base a declaração, que no caso em análise no acórdão, foi prestada antes das alterações referidas. Menciona o art.º 9º, nº 2 da LN que “A oposição à aquisição de nacionalidade com fundamento na alínea a) do número anterior não se aplica às situações de aquisição de nacionalidade em caso de casamento ou união de facto quando existam filhos comuns do casal com nacionalidade portuguesa.”. À data do pedido, esta norma não existia, tendo o requerente vindo invocar que o casal tem dois filhos de nacionalidade portuguesa e que esta alteração constituiria fundamento para extinção da instância por inutilidade superveniente da lide. Mas como se verifica à data em que foi prestada a declaração, esta norma não existia, não sendo aplicável ao caso concreto.

5. Ação de oposição à aquisição da nacionalidade e produção de prova quanto à inexistência de ligação efetiva:

Nos termos do art.º 10º, nº 2 da LN, a participação de factos que possam constituir fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade é obrigatória para todas as entidades, no caso, o conservador.

Efetuada essa participação, cabe ao Ministério Público decidir se vai ou não deduzir oposição, em processo a instaurar junto dos Tribunais Administrativos, nos termos do art.º 10º, nº 1 da LN. A tramitação da ação de oposição à aquisição da nacionalidade encontra-se prevista nos art.º 58º a 60º do Regulamento da Nacionalidade, sendo aplicáveis os termos da ação administrativa no CPTA, no que se não achar regulado nos mencionados artigos.

No acórdão do STA nº 4/2016, de 30 de setembro entendeu-se que na ação administrativa de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa, a propor ao abrigo do disposto nos artigos 9.º, alínea a), e 10.º da Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, na redação que lhe foi introduzida pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril, cabe ao Ministério Público o ónus de prova dos fundamentos da inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional, confirmando que a alteração à alínea a), do artigo 9º da LN, efetuada pela LO nº 2/2006, de 17 de abril, inverteu o ónus da prova.

Foi justamente face a esta posição que a ação foi julgada improcedente, tendo o requerente da nacionalidade sido absolvido do pedido de oposição à aquisição da nacionalidade, em virtude de se ter entendido que o Ministério Púlico não logrou provar a inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional.